sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

Livros de Instruções

"Como muitas pessoas da minha geração adoro livros (…)
Gosto de enciclopédias, dicionários, romances, ensaios, livros técnicos e de divulgação.
Gosto de história, de arte, de contos de encantar, de banda desenhada, de policiais, de ficção científica, ou nem por isso, de poesia e de teatro. Gosto de livros com uma excepção: os livros de instruções.
Os livros de instrução são assim uma espécie de folhetos cada vez mais sofisticados e com melhor apresentação gráfica que explicam como é que funciona qualquer coisa: automóveis, electrodomésticos, computadores, telemóveis (…)
(…) Hoje, compre-se o que se comprar, vem sempre apenso com a dignidade de livro ou a singeleza de rótulo ou etiqueta um qualquer manual de instruções.
(…)
Enfim. Em teoria, os manuais de instrução são muito úteis.
Principalmente se os lermos. Nesse caso, quero dizer, se conseguirmos ler tudo o que há para ler nos múltiplos objectos de consumo diário, seremos, pelo menos, leitores regulares com um amplo leque de saberes bizarros e curiosíssimos.
Não sei se seremos mais cultos, mas seguramente seremos mais informados das boas e más intenções dos fabricantes desses produtos todos, que têm de explicar tintim por tintim, ainda que com símbolos e palavras incompreensíveis, o que é aquela coisa que agora nos vendem.
O QUE É CHATO, MESMO CHATO, É QUE AS COISAS REALMENTE IMPORTANTES NÃO TÊM LIVROS DE INSTRUÇÕES.
Não há um procedimento e uma maneira certa para sermos Homens ou mulheres, (…)
Não há regra a cumprir para ser feliz, uma habilidade a seguir para a vida sair bem.
Dramaticamente nós, os privilegiados da criação, nascemos, vivemos e morremos improvisando sempre, guiando-nos por umas tantas «dicas» (…) sem o conforto e a segurança dos infalíveis livros de instruções."


Isabel Leal, “Comportamentos”, 2001

3 comentários:

johnny handsome disse...

Cuurioso este post, Muito curioso.
Faz-me lembrar que há uns anos as séries de ficção científica projectavam um futuro livre de engulhos e complicações em que tudo era muito asséptico. Para ter música fazia-se um gesto e para calá-la o gesto inverso. Tudo funcionava na base da simplicidade.
O que se verifica é exactamente o contrário. Compra-se um electrodoméstico simples e lá vem um manual pentalingue com pelo menos 100 páginas e, o que é pior, quando avaria o dito aparelho e compramos outro temos que fazer novo curso de operador com outro manual igualmente denso.
O melhor exemplo está nas lâminas de barbear: Começámos com uma e há dias vi na TV que já há com 3 . Sim, 3!!! "Espantástico". Para quando a máquina de barbear com 11 lâminas??? Sim! Também de acordo com a mais moderna "String Theory" , ou Teoria das Cordas o Universo tem 11 dimensões (o velho Espaço-Tempo de Minkowsky a 4 dimensões já era curto). É uma lâmina para um escanhoado perfeito em cada dimensão....

Anónimo disse...

Tao perfeito que vai cara e tudo.

Lua disse...

Olha que eu já li este excerto diversas vezes, até já o usei em algumas dinâmicas de grupo, e nunca surgiu tal cognição. Fala-se mesmo da complexidade Humana... Mas não deixa de ser peculiar! Quanto às lâminas é a evolução meu caro é a evolução!

Marta